No momento você está vendo Licitação de Serviços de Engenharia pela Modalidade de Pregão

Licitação de Serviços de Engenharia pela Modalidade de Pregão

  • Post category:Artigos

Autor: Iuri Vasconcelos Barros de Brito

Advogado. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Sócio do escritório Rodrigues & Vasconcelos Advogados (www.rodriguesevasconcelos.adv.br).

Resumo

Caracterização de serviços de engenharia como comuns para fins de licitação através da modalidade de pregão. Previsão legal. Princípio da economicidade e da eficiência. 

Introdução

A modalidade de licitação denominada pregão foi instituída definitivamente no ordenamento jurídico nacional através da Lei 10.520, de 17 de julho de 2002, após edição de sucessivas medidas provisórias com o mesmo objeto.

Em que pese a referida lei estar em vigor há mais de uma década, ainda hoje é comum o debate em torno da possibilidade do uso do pregão para licitação de serviços de engenharia. O presente texto busca se alinhar àqueles que defendem tal possibilidade.

Distinção entre serviços de engenharia e obras de engenharia

O artigo 1º da Lei 10.520/2002 estabelece que a licitação na modalidade de pregão poderá ser adotada “para aquisição de bens e serviços comuns”, estes definidos em seu Parágrafo único da seguinte forma:

Lei 10.520/2002

Art. 1º  Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Lei.

Parágrafo único.  Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.

Segundo Marçal Justen Filho, a definição legal acima é insuficiente e “pouco útil porque todos os bens e serviços licitados podem e devem ser objetivamente definidos no edital e sempre mediante especificações usuais no mercado” (1).

Nessa linha, o que se percebe é que aqueles que resistem em admitir o uso do pregão para licitação de serviços de engenharia ora não atentam para a distinção legal entre os conceitos de obras e de serviços, ora se apegam ao argumento de que serviços de engenharia – ao que parece apenas pelo termo engenharia que os acompanha – não poderiam ser caracterizados como serviços comuns.

Ambos os argumentos não resistem a uma melhor análise.

Tenha-se, de início, que a Lei 8.666/93 deve ser aplicada subsidiariamente às disposições da Lei 10.520/2002, conforme previsto pelo Art. 9º  desta:

Lei 10.520/2002

Art. 9º  Aplicam-se subsidiariamente, para a modalidade de pregão, as normas da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

A Lei 8.666/93, por sua vez, em seu art. 6º, incisos I e II, conceitua obras e serviços de forma distinta, a saber:

Art. 6o  Para os fins desta Lei, considera-se:

I – Obra – toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta;

II – Serviço – toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais;

Em reforço, o Art. 6o do Decreto Federal 5.450/2005, que regulamenta o pregão, na forma eletrônica, para aquisição de bens e serviços comuns, veda a utilização dessa modalidade de licitação apenas para “contratações de obras de engenharia, bem como às locações imobiliárias e alienações em geral”.

A Súmula 257 da Jurisprudência do Tribunal de Contas da União já consolidou entendimento no sentido de que “o uso de pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na Lei nº 10.520/2002”.

A conclusão mais verdadeira, portanto, é a de se é certo dizer que obra de engenharia não pode ser licitada mediante pregão em razão de expressa vedação legal, não é menos certo afirmar inexistir proibição para licitação de serviços de engenharia pela modalidade aqui em foco.

Serviços comuns de engenharia: caracterização

Logo, o cerne da questão aqui em análise consiste em saber quando determinado serviço de engenharia pode ou não ser considerado comum.

Para Marçal Justen Filho, “o pregão não é o meio adequado para avaliações aprofundadas sobre a habilitação do licitante ou sobre a configuração do objeto ofertado. O pregão é apropriado para licitações que possam ser decididas sem diligências, exames aprofundados ou superação de divergências conceituais sobre a proposta do licitante” (2).

Pois bem. Serviços de engenharia que consistam, por exemplo, em demolição, conservação, adaptação ou manutenção (Lei 8.666/93, Art. 6o, II) podem ser objetivamente definidos pelo edital de modo a não demandar, no contexto de determinado processo licitatório, diligências, exames aprofundados ou superação de divergências conceituais sobre a proposta do licitante.

Note-se, com todo efeito, que descrição pormenorizada de serviços a serem executados não pode, somente por isso, conduzir à ideia de complexidade dos mesmos.

De fato, para que não se extraia das especificações de serviços licitados uma ideia de complexidade que efetivamente neles pode não existir, convém destacar entendimento adotado pelo Ministro do Tribunal de Contas da União Marcos Vinicius Vilaça no voto condutor do Acórdão nº 2079/2007-TCU-PLENÁRIO, Processo TC-009.930/2007-7:

“(…)

  1. De tudo isso, percebe-se que o pregão apenas é vedado nas hipóteses em que o atendimento do contrato possa ficar sob risco previsível, pela dificuldade de transmitir aos licitantes, em um procedimento enxuto, a complexidade do trabalho e o nível exigido de capacitação. Logo, a eventual inaplicabilidade do pregão precisa ser conferida conforme a situação, pelo menos enquanto a lei não dispuser de critérios objetivos mais diretos para o uso da modalidade. E ouso imaginar que, pelos benefícios do pregão, no que concerne à efetivação da isonomia e à conquista do menor preço, o administrador público talvez deva ficar mais apreensivo e vacilante na justificativa de que um serviço não é comum do que o contrário”.
  1. Neste caso o Pregão Eletrônico nº 13/2007, os serviços licitados foram: instalação do canteiro, remanejamento da infraestrutura do estacionamento externo, demolições escavação e transporte de terra e implantação de duas vias provisórias.
  1. Constituem serviços de fácil caracterização, que não comportam variações de execução relevantes e que são prestados por uma gama muito grande de empresas. (…).
  1. Como são serviços de execução frequente e pouco diversificada, de empresa para empresa, não houve problema em conformá-los no edital segundo padrões objetivos e usuais no mercado.(…).
  1. Não se deve também confundir especialização do licitante com complexidade do serviço, pois o primeiro termo refere-se à segmentação das atividades empresariais, ao passo que o segundo, à arduidade do trabalho. Uma empresa especializada – não se está falando de notória especialização – pode sê-lo relativamente a um serviço comum. (…)” (Acordão nº 2.079/2007, Plenário, rel. Min. Marcos Vinicios Vilaça )

(…)” (3).

Vale dizer, o fato de o objeto licitado envolver atividades que somente podem ser realizadas por empresas que explorem serviço próprio do ramo da engenharia, mesmo que especializada, não é determinante para caracterizá-lo como serviço não comum ou complexo.

Mais, ainda, além de exigir a utilização da modalidade pregão para a aquisição de bens e serviços comuns, a Corte de Contas da União vem conferindo uma larga abrangência ao termo “bens e serviços comuns“. É o que se vê de trecho do Voto do Relator do Acórdão nº AC-2749-38/10-P, Processo nº 017.914/2010-8. Confira-se:

“(…) Por último, analisemos a questão atinente à modalidade de licitação.
Em que pese a Lei 8.666/93 eleger a concorrência como modalidade de licitação cabível em qualquer caso (art. 23, § 4º). Em que pese a Lei nº 10.520/2002, por seu turno, não estabelecer, de modo algum, a obrigatoriedade da licitação por pregão. Em que pese esta obrigatoriedade se fundar em norma infralegal, isto é, no Decreto nº 5.450/2005, art. 4º. Não podemos olvidar, por outro lado, que a jurisprudência desta Corte vem se perfilando no sentido da aplicação plena do art. 4º Decreto nº 5.450/2005, isto é, exigindo a utilização da modalidade pregão para a aquisição de bens e serviços comuns e, além disso, vem reconhecendo uma larga abrangência ao termo “bens e serviços comuns”.

(…)” (4).

Nessa linha, no Acórdão nº 265/2010 – TCU – Plenário, Processo nº TC 024.267/2008-1, no que toca à modalidade de licitação que necessariamente deve ser utilizada quando se trata de serviços caracterizados como comuns, restou consignado que:

“(…) 9.1.15. Utilize obrigatoriamente a modalidade pregão para aquisição e/ou contratação de bens e serviços comuns, ou seja, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado, conforme regra ínsita no art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 10.520/2002, incluindo nessas características os bens e serviços de TI” (5).

Se até serviços da área de Tecnologia da Informação (TI) podem ser licitados pela modalidade de pregão, desde que os critérios de habilitação sejam bem delineados, não há que se falar que serviços corriqueiros de engenharia, a exemplo de demolição e manutenção não possam ser licitados daquela forma, uma vez que estes podem ser objetivamente definidos por meio de especificações usuais no mercado, isto é, “podem ser especificados a partir de características (de desempenho e qualidade) que estejam comumente disponibilizadas no mercado pelos fornecedores, não importando se tais características são complexas, ou não” (Acórdão nº 2749/2010 – TCU – Plenário).

De igual forma, mais do que se apegar à ideia de complexidade que poderia decorrer da descrição detalhada de serviços de engenharia, a jurisprudência dos Tribunais revela preocupação com a efetiva realidade do serviço a ser licitado.

A título de ilustração do quanto ora se afirma, confira-se trecho extraído do voto condutor do Acórdão que julgou a Apelação Cível Nº 70059875369, da Vigésima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, julgado em 02/07/2014 e publicado no Diário da Justiça do dia 10/07/2014:

“(…)

A alegação é que o serviço de engenharia licitado não é simples, mas exige conhecimento de engenharia de alta complexidade, o que afastaria a aplicação da Súmula n. 257/2010 do TCU.

Todavia, a prova recolhida na instrução não revela a característica exigida pelo impetrante, faltando um dos requisitos para o manejo do remédio heroico.

A inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais (art. 10 da Lei n. 12.016/2009).

Não havendo prova de que os serviços de licitados sejam de alta complexidade, tem-se que se trata de serviços comuns de engenharia, previstos no art. 1º e parágrafo único da Lei n. 10.520/2002.

Ausência de comprovação do direito alegado.

Correta, por isso, a extinção do mandamus.

Nego provimento ao apelo.” (6)

Confira-se, ainda, a ementa do Acórdão que julgou a Apelação Cível 0039489-49.2009.4.01.3400, da Quinta Turma do Tribunal Regional da Primeira Região:

“ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. PREGÃO. Lei nº 10.520/2002. BENS E SERVIÇOS COMUNS. DECRETO Nº 5.450/2005. SERVIÇOS DE ENGENHARIA. CARACTERÍSTICAS INCOMPATÍVEIS COM O CONCEITO DE SERVIÇO COMUM.

1 .A modalidade de licitação pregão adequa-se às licitações em que a administração visa a adquirir bens e serviços comuns, qualquer que seja o valor da contratação, a teor da Lei nº 10.520/2002.
2. Bens e serviços comuns são aqueles passíveis de definição objetiva pelo edital, o que quer dizer que, uma vez realizadas as especificações pela Administração Pública, os licitantes ofertarão bens e serviços cujo desempenho e qualidade são similares, de modo que o critério menor preço assegurará o fornecimento a contento desses bens e serviços com o menor ônus para a Administração.
3. O art. 5º do Decreto nº 3.555/2000 estatuiu que o pregão não se aplica às contratações de obras e serviços de engenharia, ao passo que o Decreto nº 5.450/2005, que regulamentou pregão eletrônico, dispôs em seu art. 6º que a modalidade não pode ser adotada em relação às obras de engenharia, com o que revogou o art. 5º do Decreto nº 3.555/2000 nesse ponto.

4 .Embora não haja vedação à contratação de pregão para serviços de engenharia, no caso em exame o serviço licitado não se subsume ao conceito de serviço comum, na medida em que os projetos a serem apresentados pelo vencedor devem escolher entre mais de uma alternativa e considerar elementos cuja aferição tem elevada carga de subjetividade (harmonia com o rio e características ambientais).
5. Apelação e reexame necessário a que se nega provimento.” (7)

Conclusão

Desde que possam ser efetivamente caracterizados como comuns, serviços de engenharia devem ser preferencialmente licitados pela modalidade de pregão.

Com isso, certamente se atenderá em mais larga escala os princípios da concorrência, da economicidade e da eficiência.

Referências

1 Justen Filho, Marçal. Curso de Direito Administrativo – 4. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 391.

2 Justen Filho, Marçal. Curso de Direito Administrativo – 4. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 391.

www.tcu.gov.br. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-2079-41/07-P.

4  www.tcu.gov.br.  Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-2749-38/10-P.

www.tcu.gov.br. Acórdão nº 265/2010 – TCU – Plenário, Processo nº TC 024.267/2008-1

www.tjrs.jus.br. Apelação Cível Nº 70059875369, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 02/07/2014.

www.trf1.jus.br Apelação 0039489-49.2009.4.01.3400, Quinta Turma, 15/03/2016 e-DJF1.

Deixe um comentário